A noite era claramente indefinida. Nem quente, nem fria. Parecia ter ficado no meio do caminho, de modo a acabar por oferecer aquele clima mal resolvido, inacabado, pela metade.
De certa forma era como ela.
Interrompida, cessada de sopetão em algum capítulo que se perdera dos demais esboços e assim ficara por decisão irrevogável do autor.
A cor do cabelo e o porte físico eram irrelevantes, além do que não se sobressaíam, exceto pela pele pálida acentuada pela luz do luar que contrastava de forma gritante com os lábios rubros e com o vestido preto feito de algum tecido vagabundo, que contornava seu corpo esquálido e frágil.
Ali sentada, ela balançava os pés num compasso perfeito que jamais permitia que os oxfords surrados róseos tocassem o piso áspero. O movimento era ritimado, suave e tenso e ela nem se quer balbuciava.
Na realidade ela parecia já ter nascido ali, naquele banco cinza e rígido. Ela parecia parte do local, como se trouxesse uma certa essência gótica que garantia charme e personalidade ao lugar. Ela ornava com a penumbra e qualquer um que se deparasse com tal cena suporia que ela era parte da decoração.
Havia luz artificial. Havia gelo seco. Havia paixão. Havia vida. E havia 'ela'.
'Só mais um espéctro à procura das trevas' pensavam eles. 'Veias marcadas na certa' palpitavam outros.
Entretanto, ela nem se quer dava ouvidos.
E é digno de nota que, em meio a tantos palpites débeis, nem mesmo um observador um pouco mais persipicaz foi capaz de cogitar a hipótese de que talvez ela nem se quer estivesse mais ali. De fato não estava.
Os olhos amendoados fitavam o assoalho sem de fato o enxergar, enquanto a mente vagava pelo espaço a fora, dando piruetas no ar.
Ali, só a silhueta permanecia prostrada. A essência, o vento levara.
Uma de minhas personagens prediletas: A melancolia.
ResponderExcluirParabéns pelo texto, está incrível :)