quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O arfar do vento



A noite era claramente indefinida. Nem quente, nem fria. Parecia ter ficado no meio do caminho, de modo a acabar por oferecer aquele clima mal resolvido, inacabado, pela metade.

De certa forma era como ela.

Interrompida, cessada de sopetão em algum capítulo que se perdera dos demais esboços e assim ficara por decisão irrevogável do autor.

A cor do cabelo e o porte físico eram irrelevantes, além do que não se sobressaíam, exceto pela pele pálida acentuada pela luz do luar que contrastava de forma gritante com os lábios rubros e com o vestido preto feito de algum tecido vagabundo, que contornava seu corpo esquálido e frágil.

Ali sentada, ela balançava os pés num compasso perfeito que jamais permitia que os oxfords surrados róseos tocassem o piso áspero. O movimento era ritimado, suave e tenso e ela nem se quer balbuciava.

Na realidade ela parecia já ter nascido ali, naquele banco cinza e rígido. Ela parecia parte do local, como se trouxesse uma certa essência gótica que garantia charme e personalidade ao lugar. Ela ornava com a penumbra e qualquer um que se deparasse com tal cena suporia que ela era parte da decoração.

Havia luz artificial. Havia gelo seco. Havia paixão. Havia vida. E havia 'ela'.

'Só mais um espéctro à procura das trevas' pensavam eles. 'Veias marcadas na certa' palpitavam outros.

Entretanto, ela nem se quer dava ouvidos.

E é digno de nota que, em meio a tantos palpites débeis, nem mesmo um observador um pouco mais persipicaz foi capaz de cogitar a hipótese de que talvez ela nem se quer estivesse mais ali. De fato não estava.

Os olhos amendoados fitavam o assoalho sem de fato o enxergar, enquanto a mente vagava pelo espaço a fora, dando piruetas no ar.

Ali, só a silhueta permanecia prostrada. A essência, o vento levara.

Um comentário:

  1. Uma de minhas personagens prediletas: A melancolia.
    Parabéns pelo texto, está incrível :)

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