quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Ateliê




Há períodos durante os quais não me vem nem sombra de inspiração. Nem se quer uma migalha dela cai ao meu lado. Parece que a minha alma sai de sintonia com o papel, e escrever uma misera frase torna-se para mim um dos 12 trabalhos de Hércules. Basicamente, produzir um texto imersa nessas condições se assemelha a tirar leite de pedra.


E, como consequência do branco total, passo dias, semanas, quando muito até meses sem conseguir desenvolver nem se quer um texto coeso, legível ou que fuja do lugar comum.


Tudo isso somado a síndrome do papel branco resulta em absolutamente nada.


Entretanto, de umas duas semanas para cá, o passarinho verde da inspiração, outrora tão arisco, parece ter pousada na minha janela, e dela ele vem se recusando a sair. O bom é que ele está perto o suficiente para me sussurrar algumas idéias.


O problema é que a matéria-prima, o produto bruto só não basta, e dentro do meu casulo estava insustentável lapidar tal matéria. Sendo assim, nada mais natural do que regressar ao meu ateliê.


Uma varanda da pisos cinza e paredes laterais vazadas. Esse sempre foi meu ateliê, meu porto seguro, meu esconderijo de criança. Quando o mundo fazia tudo lá fora ruir e aqui dentro latejar, era aqui que eu me escondia. E de frente para o céu, para as pipas que com ele de fundo dançavam marchinhas no ar, e para a maior árvore que eu vi na vida, apelidada "a maior árvore que eu vi na vida", eu deixava a caneta percorrer as folhas dos cadernos. E ali sempre havia tanto para pensar, questionar, escrever...


Fazia tempo que eu não vinha aqui. Há mais prédios agora. Eles roubam pedaços do horizonte. Há mais barulho na avenida também. Parece que o bairro cresceu. As casas no em torno também cresceram, bem como os garotos que costumavam empinar pipa nos telhados. A pequena pizzaria faliu, e não sai mais fumaça do forno a lenha as 17 horas.


A vizinha sagaz que sempre me saudava com um largo sorriso e da qual eu nunca soube o nome, agora raramente coloca o pé fora de casa. Os cabelos longos castanhos hoje em dia, vivem aprisionados em um coque cor de fuligem que emoldura um rosto vincad0 de rugas e marcas de expressão. Marcas do tempo. Tempo esse o responsável por ela nem mais me reconhecer.


Meus avós, os donos da varanda, com tudo, parecem os mesmos. Eles parecem não ter sentido a passagem dos anos. Minha avó continua sem uma ruga se quer. Magra, cabelos castanhos, e a pele sempre impecável. Meu avô parece um pouco cansado. Os olhos verdes, vez por outra, dão essa impressão. Mas ele continua a todo vapor. Ele faz menos piadas do que antes, é verdade. Talvez porque hoje eu já conheça todo seu repertório. Mas ele ainda tira uma com a minha cara cada vez que me vê, o que é uma prova clara de que seu bom humor continua ali, guardado atrás dos olhos verdes gentis.


E tem também a árvore. Ela continua lá, firme, forte e verde. Suas folhas ainda acenam para mim no compasso da brisa que anuncia chuva, o que prova que elas ainda me conhecem.



Resumindo, meu ateliê continua ali, a minha disposição, a minha espera, sempre pronto a me acolher como já fez tantas e tantas vezes.




Ele me escondeu do mundo e terei com ele uma dívida eterna que talvez esse texto diminua. Saldar seria muita pretensão, afinal, foi esse ateliê que me deu por anos a dádiva de me aproximar do céu.




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